Desembargador a serviço da organização Criminosa
O Rio de Janeiro vive, mais uma vez, um momento simbólico de profunda crise institucional. A recente prisão de um desembargador pela Polícia Federal acusado de atuar como informante do crime organizado dentro do próprio sistema de Justiça reforça a percepção de que a criminalidade não está apenas nas ruas, mas infiltrada em estruturas que deveriam combatê-la.
Quando um integrante do Judiciário passa a ser investigado por práticas como venda de sentenças ou colaboração com organizações criminosas, o dano ultrapassa o crime individual. Trata-se de um abalo direto à confiança da sociedade na imparcialidade da Justiça e na capacidade do Estado de se autorregular.
Esse episódio não surge de forma isolada. Há anos, investigações apontam a existência de redes de influência que conectam milícias, facções criminosas, agentes públicos e setores da política fluminense. O crime organizado no Rio não cresce à margem do poder; ele cresce, muitas vezes, em diálogo com ele.
Nesse contexto, a declaração do ex-governador Anthony Garotinho ao afirmar que 47 deputados estaduais teriam recebido “mesada” funciona como mais um elemento explosivo num cenário já deteriorado. Mesmo sendo uma acusação ainda não comprovada judicialmente, o simples fato de ser plausível aos olhos da opinião pública revela o nível de descrédito das instituições.
A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, que deveria exercer papel central de fiscalização do Executivo, também foi atingida por escândalos graves ao longo dos anos. A prisão de um ex-presidente da Casa, em investigações anteriores, deixou claro que o Legislativo não está imune à captura por interesses ilícitos.
O problema estrutural é que o crime organizado aprendeu a operar como um sistema. Ele não depende apenas da violência armada, mas da cooptação silenciosa: cargos, favores, financiamento de campanhas, proteção jurídica e acesso privilegiado à máquina pública.
Milícias e facções entenderam que controlar territórios é importante, mas controlar decisões institucionais é ainda mais lucrativo e duradouro. Essa lógica explica por que o crime avança não apenas em comunidades, mas em gabinetes, tribunais e órgãos administrativos.
O Rio de Janeiro acabou se tornando um laboratório negativo desse modelo. Ao longo de décadas, a ausência de reformas profundas, a tolerância com práticas ilegais e a normalização da corrupção criaram um ambiente propício à expansão criminosa.
É importante destacar que não se trata de criminalizar todas as instituições ou seus integrantes. Há juízes, promotores, policiais e parlamentares sérios que resistem diariamente a esse sistema. O problema é que eles muitas vezes atuam em minoria, sob pressão e risco constante.
Quando o Estado falha em punir rapidamente os desvios, a mensagem transmitida é perigosa: o crime compensa. A lentidão processual, os acordos obscuros e a sensação de impunidade alimentam o ciclo de dominação criminosa.
A expansão desse modelo para outros estados do Brasil preocupa. Facções nacionais e milícias passaram a replicar estratégias testadas no Rio, adaptando-as a realidades locais, o que transforma um problema estadual em ameaça federativa.
Romper esse ciclo exige mais do que prisões pontuais. É necessária uma reforma institucional profunda, com transparência, controle externo efetivo, proteção a denunciantes e fortalecimento dos órgãos de investigação independentes.
Também é fundamental que a sociedade civil, a imprensa e os movimentos sociais mantenham vigilância permanente. O silêncio e o conformismo sempre foram aliados do crime organizado.
O combate à criminalidade institucionalizada não é rápido nem simples. Ele exige coragem política, vontade institucional e compromisso real com o interesse público, acima de alianças e conveniências.
Enquanto isso não ocorre, cada novo escândalo funciona como um lembrete incômodo: quando o Estado se mistura ao crime, quem perde é a democracia e quem paga a conta é a população.
